Não foi num dia específico, nem num grande drama cinematográfico. Foi aos poucos, como uma torneira a pingar, até o balde encher e perceber que já não acreditava nas mesmas coisas.
Começou nos filmes.
Diziam que o amor era aquela coisa de explosão, olhares que se encontram na rua, música a tocar na cabeça, tudo a fazer sentido. Cresci a achar que um dia ia sentir isso e que, quando aparecesse, ia ser tão óbvio que não havia como falhar. Mas a vida real não tem banda sonora. Tem notificações do banco, filas no supermercado e mensagens por ler durante dias. Ninguém te filma a olhar pela janela num dia de chuva. Só estás ali, à espera do autocarro, com os pés a molhar-se porque o piso está todo esburacado.
Depois vieram as primeiras paixões. A primeira pessoa de quem gostaste a sério não te partiu só o coração, partiu-te a narrativa. Tinhas escrito tudo na cabeça: como ia ser, as viagens, as conversas até tarde, o apoio mútuo. Na prática, foi responder a metade das coisas, desmarcar planos à última da hora, desaparecer quando as coisas ficavam complicadas. Não foi só “não resultou”. Foi “eu fiz tudo como me disseram e mesmo assim correu mal”. E aí começa a frase silenciosa: foderam-me o romantismo.
Foderam-me o romantismo quando percebi que há quem escolha a pessoa com base em conveniência, em status, em não querer ficar sozinho, e não naquela coisa hilariante de sentir o coração a acelerar.
Quando vi amores substituídos com a mesma facilidade com que se muda de série na Netflix. Quando ouvi amigos a dizer “olha, serve” como se estivessem a falar de um casaco em saldos, não de alguém com quem vão dividir anos de vida.
Foderam-me o romantismo quando entendi que muita gente não quer amar, quer ser entretida. Quer alguém para matar o tédio, para postar fotos bonitas, para provar a si própria que não está de fora. E tu ali, a tentar ser sincero, a escrever mensagens com cuidado, a escolher palavras, e do outro lado só meia atenção, só meio esforço, só meio interesse. Como é que não se mata o romantismo assim?
Há também o lado mais cruel: o cinismo que entra como mecanismo de defesa. Depois de algumas quedas, começas a antecipar o pior. Se alguém é querido demais, desconfias. Se alguém responde rápido demais, achas estranho. Se alguém quer mesmo ficar, ficas à espera da parte em que se vai embora. E o mais irónico de tudo é que, para não te magoares, fazes a mesma coisa que te fizeram. Ficas meio presente, meio disponível, meio aberto. E assim também tu vais fodendo o romantismo de outra pessoa sem dar por isso.
Mas não foi só a experiência. Houve também a pressão social, as narrativas dos outros, os conselhos de “não sejas parvo”, “não gostes tanto”, “não mostres que te importas”. Como se amar fosse um erro estratégico, um fraqueza que convém esconder. Em vez de dizermos “eu gosto de ti e quero estar contigo”, aprendemos a jogar, a medir tempos de resposta, a fazer-se de difícil, a fingir indiferença. Como é que o romantismo sobrevive num ambiente onde ser honesto parece quase uma humilhação?
E no meio disto, há as histórias de vida que se cruzam com a tua. A amiga que casou com o amor da vida dela e descobriu, anos depois, que ele tinha uma segunda vida no telemóvel. O colega que ficou oito anos com alguém que o tratava como opção de reserva. A tia que aguentou um casamento infeliz porque “é assim a vida”, “ninguém é perfeito”. Cada história que ouves é mais um prego no caixão daquela ideia cor-de-rosa que tinhas aos 15 anos.
No entanto, há um detalhe que às vezes esquecemos: o romantismo que nos foderam não era só dos outros. Era também o nosso. É mais fácil culpar o mundo, as ex, o sistema, os filmes. Mais difícil é admitir que, muitas vezes, fomos nós a aceitar migalhas, a insistir em pessoas que não queriam o mesmo, a fazer de conta que estava tudo bem quando não estava. Foderam-me o romantismo, sim, mas eu também colaborei.
E então, o que é que fica depois disso?
Fica um vazio estranho. Uma parte tua que já não acredita no “para sempre”, mas ainda tem saudades de acreditar. Uma parte cansada, que faz piadas sobre relações, que diz “eu agora estou bem sozinho”, “não quero complicações” e ao mesmo tempo sente, lá no fundo, que gostava de encontrar algo que desmentisse tudo aquilo que aprendeu.
Talvez o caminho não seja recuperar o romantismo antigo, esse cheio de expectativas irreais, princesas e príncipes, almas gémeas e perfeição. Talvez o que dê para salvar seja outra coisa: um romantismo mais honesto, menos filme, mais humano. Onde amar não é prometer eternidades, é aparecer todos os dias da forma que se consegue. Onde os gestos pequenos contam mais que grandes declarações. Onde dizer “não sei o futuro, mas hoje escolho-te” vale mais do que mil frases feitas.
O romantismo não precisa de flores num dia específico se tu nem falas com a pessoa o resto do ano. Pode ser fazer-lhe o jantar num dia em que ela está de rastos. Ou ouvi-la desabafar sem transformar tudo numa competição de desgraças. Ou admitir “tenho medo, mas quero tentar contigo”. Pode ser mandar mensagem a dizer “chegaste bem?” quando ela vai sozinha para casa à noite. Pode ser sentar-se ao lado dela em silêncio, sem pressa, sem telemóvel na mão.
Talvez o verdadeiro romantismo esteja justamente depois de perceberes que te foderam o romantismo antigo. Quando já não estás à espera da história perfeita, mas continuas disponível para histórias imperfeitas com pessoas reais. Quando aceitas que amar inclui frustração, chatices, dias maus e ainda assim achas que compensa.
No fim, se calhar, não te foderam o romantismo todo. Racharam foi a casca. O que sobrar, se cuidares bem, pode ser menos brilhante, menos inocente, mas mais teu. E, quem sabe, um dia alguém aparece, não para te salvar, não para encaixar num guião, mas para te provar, com coisas simples, que ainda vale a pena tentar.
Que se foda o romantismo e, acima de tudo, o não romantismo!
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