Por mais que tentasse com que tudo corresse bem, havia sempre algo que falhava. Uma palavra, uma resposta, um simples adeus. Talvez devesse me contentar com isso. Talvez não. Possivelmente era só uma questão de saudades. Saudades de mim.

Se há algo do qual sinto imensa falta é de uma parte de mim que só conheci por breves momentos. Não sei precisar que idade ou sonho tinha na altura, mas todos os dias peço que essa parte volte e que consigo traga a alegria, a paz e a leveza que tanto a caracterizam. Sei que nesse dia fui totalmente livre. Livre de ego, livre de corpo, livre de espírito. Nesse dia caí para cima e tudo batia certo.

Andamos à procura de grandes momentos que acabamos por nos esquecer de que um grande momento não depende do tempo que dura, mas da intensidade com que acontece. Associamos a felicidade a um tempo de duração. Às horas, aos minutos e aos segundos de algo que não é mensurável.

Como podemos ser felizes se encaixamos os melhores momentos numa cápsula do tempo? Tiramos fotografias, gravamos vídeos, compramos lembranças, fazemos tatuagens, publicamos um post. Tudo para que um momento perdure mais do que si mesmo.

Quando vivemos um grande momento há uma parte que não é só nossa, mas de todo o universo. Há uma magia que é impossível ser registada porque os maiores momentos são aqueles que ao serem presenciados requerem uma liberdade plena. Uma entrega total e desprovida de acessórios.

Damos por nós a afirmar que temos saudades disto ou daquilo. De que a nossa vida era bem melhor quando estávamos em determinada circunstância. Que éramos bem mais felizes quando éramos crianças porque não tínhamos de nos preocupar tanto. Assumimos, por negligência interna, ser apenas a soma das partes que nos faltam quando, na verdade, somos isso e muito mais.

Somos a presença e a ausência.
Somos o agora, o antes e o depois.
Somos a eternidade do momento quando nele estamos.
Somos o simples e o complexo.
Somos a ideia e a prática.
Somos os capítulos que escrevemos.
Somos mais do que o início e o fim da viagem. Somos a viagem.

Sentimos saudades do que sempre será nosso. A nossa insegurança é que nos faz perder o que vivemos e por isso registamos. Por medo de a nossa memória nos pregar uma partida e tudo se perder para sempre.

Quando o meu filho mais novo nasceu o céu estava lindo. As estrelas perfeitamente alinhadas davam as boas-vindas a um ser muito especial e desejado.

Lembro-me perfeitamente desse dia. Da temperatura, dos cheiros, dos corredores do hospital, de pormenores tão mínimos que nem à lupa se descobriam. Recordo o seu despertar quando nasceu. Da forma como a enfermeira o pegou, do modo como a minha mulher o aconchegou junto ao peito. Lembro-me de tudo porque tudo foi tão intenso quanto belo.

Tenho algumas fotos do momento do seu nascimento. Foi, para mim, uma das experiências mais incríveis que vivi. Mas a verdade é que só raramente as vejo. Quando quero voltar a sentir esse grande momento apenas sento-me em silêncio e entrego-me sem capas nem armadilhas às memórias gravadas no meu coração. E tudo flui naturalmente como que esse momento acontecesse uma e outra vez

Um momento para ser especial não precisa ser gravado. Precisa ser vivido com o máximo das nossas capacidades humanas.

De que sentes saudades?
Sentes saudades tuas? Daqueles momentos em que estavas bem e tudo parecia funcionar?
Sentes saudades de estares bem com o mundo?
Sentes saudades daquele abraço e daquele beijo que te fez sentir especial e única?
Sentes saudades de acordar bem e feliz com a vida?
De que sentes mesmo saudades?

Por vezes sinto saudades minhas. Dos momentos em que em suspenso mudava estrelas de sítio. Dos momentos em que sorria de forma descomprometida. Das piadas que soletrava sem jeito algum mas que me faziam rir. Sinto, por vezes, tanta falta de mim que a única coisa que me resta é abraçar-me com compaixão.

Hoje peço-te que te abraces, que te mimes, que sacies essa saudade de ti própria. Que te sentes em silêncio e que olhes para dentro de ti como nunca o fizeste. Com coragem. Que te entregues a ti sem filtros e julgamentos. 

Hoje peço-te que dês hipótese a ti mesma de recuperar e reviver uma parte de ti que ames. Vai ao fundo, ao íntimo.

Hoje peço-te que feches o livro que estás a ler e o arrumes na prateleira. Hoje és herói ou heroína na vida real.

Hoje convido-te a libertares-te de todo o peso que carregas para que a leveza possa surgir.

Hoje, tal como sempre, respira, flutua e pura e simplesmente existe.

Hoje sugiro-te que faças algo de verdadeiramente transformador. Escreve uma carta a ti mesma. Pega num papel e numa caneta e escreve. Diz tudo o que tens a dizer a ti mesma. Do que sentes saudades. Do que queres que volte. Que parte de ti queres resgatar. Dá pormenores como ações, cores, cheiros, emoções. Esta é a carta que enviarás a uma parte de ti que apenas está longe, não incontactável. Escreve como que a tua vida dependesse disso porque depende. 

Hoje é o dia do Grande Dia!
O dia em que reencontrarás o que sempre esteve em ti.