São muitos os pais que se queixam que o seu filho não gosta de ler. E mesmo utilizando toda a estratégia possível e imaginária a coisa só arduamente vai lá.
Muitas vezes, e nos momentos em que é mesmo fundamental ler um livro para escola, há chatices em casa, o ambiente fica tenso e o prazer que deveria existir em aprender algo novo é deitado por terra.
Por que razão crianças e jovens têm tanta relutância em ler? Que “bicho mau” se esconde dentro dos livros que os afasta da leitura?
Numa turma de 30 alunos, cerca de 50% a 55% desses alunos não tem hábitos de leitura (fora da escola) e preferem, no tempo livre que dispõem, os jogos no computador e na consola, interagir nas redes sociais e ver televisão.
Sabe isto o que quer dizer? Que quando os alunos, que se situam na percentagem dos 50% a 55%, tiverem de ler um livro para escola fá-lo-ão com enorme sofrimento! É normal, então, que tudo acabe por não acontecer como se pretende e os resultados não sejam os melhores. Pois estavam contrariados e, decerto, tentaram arranjar as mais extraordinárias façanhas para não o fazer.
Portanto, quando o seu filho, que não gosta de ler, tem um resultado médio num trabalho que depende da leitura de um livro não o censure. Ele passou por uma prova de superação incrível!
Quanto mais os hábitos de leitura estão enraizados, mais elevada tende a ser a taxa de sucesso em tudo, incluindo na escola. Esta é uma das verdades associadas aos padrões de aprendizagem e de sucesso!
Chegou o momento de equacionar o que pode fazer para inverter a situação. Como mãe, pai, educador, tutor, terá de dar este primeiro passo.
Foi a pensar em todas as famílias que passam por esse desafio que resolvi partilhar as 3 causas que estão na origem dessa falta de motivação para leitura e as 5 coisas que nunca deve fazer e dizer a uma criança ou jovem que não gosta de ler.
A feroz competição
A leitura de um livro compete, atualmente, com um conjunto de novidades tecnológicas de rápida ascensão e metamorfose. Tablets, smartphones, consolas, jogos super fixes e desafiantes, televisões 3D e 4K com imagem cada vez mais real, redes sociais, aplicações para tudo e um par de botas. Tudo isto a acontecer a uma velocidade nunca antes vista.
Escolher entre ler um livro e jogar um jogo na consola é o mesmo que escolher entre o caminho “normal” e o caminho mais rápido para um resultado, seja este de prazer ou não. Enquanto no primeiro é preciso realizar mais passos para atingir um fim e um maior domínio de determinadas competências, no segundo as coisas passam-se mais rápido e os estímulos que são criados oferecem prazer e concretização quase de forma espontânea.
Se colocar em cima da mesa um livro que dê as melhores dicas sobre o jogo mais recente para uma consola e o próprio jogo o que acha que o seu filho vai escolher? O jogo, certo?
Isto não tem que ver só com uma questão de suporte (papel ou eletrónico), mas também com o modo como as mentes de uma criança e de um jovem funcionam. Procuram experiência, desafio, ação, concretização. Tudo rapidamente! Neste momento não é a criança que se liga às novidades da sociedade, mas sim o inverso. Já não é a criança que vai à descoberta da sociedade, mas a sociedade que vai à procura da criança.
O que pode isto mudar? TUDO!
O espírito de procura e conquista, típico das crianças e jovens, já não está tão vincado, dado que as novidades, nomeadamente tecnológicas e das modas, dão o que eles procuram de imediato sem perguntas.
Esta realidade é o ponto-de-partida se pretendemos motivar crianças e jovens para a leitura.
Como pode então dar a volta a isto?
Para começar terá de conhecer o que está na origem da desmotivação para a leitura.
As 3 causas que mais encontro no trabalho que faço como especialista em leitura, são:
1ª Causa: Os pais não têm hábitos de leitura
São de contar pelos dedos das mãos os pais que leem os livros que os seus filhos leem, nomeadamente para a escola.
Como se pode exigir a um filho que faça algo se nós mesmos, enquanto pais, não o fazemos? É a mesma coisa que pedir ao meu filho para arrumar o quarto dele e eu não arrumar o meu. Isto é mais simples do que parece! Nós é que por vezes não nos pomos na pele dos nossos filhos para tentarmos entender, verdadeiramente, o que sentem e a forma que utilizam para responder às situações.
O hábito de leitura é mais consistente quando criado em família. Isto é, de dentro (família) para fora (mundo: escola).
Na família é onde estão os primeiros pontos-de-referência emocionais. É aqui que a ligação é feita. Por ser assim é que os filhos tentam, a dada altura no seu desenvolvimento, imitar os pais.
2ª Causa: A leitura não é adequada aos níveis emocional e lógico da criança ou jovem
Cada um de nós liga-se à leitura por dois níveis: através do nível emocional, onde se inclui, por exemplo, o processo criativo que possibilita “viver a história do livro”; e através do campo lógico responsável pela descodificação da mensagem.
Dar a uma criança ou jovem um livro que esteja abaixo ou acima da sua capacidade de apreensão (nível emocional+nível lógico) é o mesmo que lhe passar um atestado de desmotivação para a leitura.
3ª Causa: Ausência de preparação para a leitura
Muitos são aqueles que não se preparam devidamente para a leitura. Esta preparação tem que ver com técnicas de leitura que deveriam ser desenvolvidas em todos os estabelecimentos de ensino de forma consistente e regular, que visam aproximar o leitor da obra e não só a obra do leitor.
Preparar alguém para a leitura de determinado livro é dar-lhe um propósito válido para a leitura. Um motivo inequívoco e claro. E o propósito será fraco se “for vendido” só pela questão das notas escolares…
Sei que isto tudo é desafiante. Mas não valerá a pena investir em algo que facilitará ao seu filho o sucesso?
Pronto para mudar a situação?
Comecemos por aquilo que não deve fazer, nem dizer, quando o seu filho não gosta nem quer ler.
1º Obrigá-lo a ler
Sei que muitas vezes perde a paciência e obriga, recorrendo ao castigo e à chantagem, o seu filho a ler.
Ao associar a leitura à obrigação e ao castigo, está mesmo a contribuir efusivamente para que a leitura não faça parte da vida do seu filho.
Não imagina a quantidade de pessoas que não lê porque tiveram uma má experiência com a leitura em criança!
2º Culpabilizar a criança ou jovem por não gostar de ler
Muitos relegam para o âmbito escolar a motivação para a leitura. Na leitura, como na aprendizagem, não há fronteira entre lar e escola. Todo o ambiente conta!
Já imaginou se o seu filho esquecesse tudo o que lhe transmite quando fosse para a escola e se esquecesse de tudo o que aprende na escola em casa?
A única fronteira entre lar e escola é definida pela capacidade que pais e escola têm em dialogar.
Este não assumir de responsabilidade reflete bem até que ponto os pais estão disponíveis para acompanhar o desenvolvimento dos seus filhos na leitura.
O sentimento de culpa é algo que enviamos para os outros quando não assumimos as rédeas da nossa vida. Quando não assumimos os nossos erros e quando não estamos dispostos a melhorar.
Culpabilizar a criança ou jovem que não goste de ler é o mesmo que dizer “sabes filho, eu não fiz bem o meu trabalho, mas a responsabilidade é tua por não fazeres as coisas sozinho!”
3º Dizer: “Nunca serás alguém se continuares assim”
A autoestima constrói-se com orientações e práticas positivas, não com “deita abaixo”. Se o seu filho está em desafio na leitura, reforçar os aspetos negativos não o ajudará em nada. Pelo contrário, estará a despertar nele sentimentos de raiva, desilusão e angústia. E sim, ele verá a leitura como algo que provoca caos em vez de harmonia.
Tome atenção às palavras que utiliza e aos comportamentos que tem. Poderá estar a afastar o seu filho da leitura, pensando que está a fazer, exatamente, o contrário.
4º Dizer: “Ainda não acabaste de ler o livro? Demoras sempre Tanto Tempo!”
Todos nós temos o nosso tempo. Um tempo que não é cronológico, mas interno. Este nosso tempo é o que temos disponível para realizar uma ação de forma confortável.
Quando o seu chefe lhe pede para fazer algo em que não se sentes à vontade, demora o mesmo tempo do que a fazer algo que goste verdadeiramente? Com o seu filho e a leitura é igual!
Claro que existem as distrações, mas isso também se treina. Talvez se o tempo de leitura for mais curto e ele estiver motivado a leitura corra bem!
5º Não fazer nada para ultrapassar este desafio
Os hábitos de leitura não se implementam só por intenção. Ou seja, não basta desejar que o seu filho seja leitor. Para ter hábitos de leitura é necessário aliar duas componentes muito fortes: motivação e consistência! Ambas devem fazer parte do investimento que os pais realizam.
Quanto mais tarde se implementar hábitos de leitura, mais difícil estes serão uma realidade.
Relembro-lhe que a leitura, embora todos saibam da sua importância, tem concorrentes muito audazes, como as novidades tecnológicas. Assim, quanto mais cedo se promover a motivação para a leitura, maior será a hipótese de se ter leitores conscienciosos e autónomos.
Não deixe “arrastar” a situação. Invista tempo e acompanhe o seu filho neste percurso. Se acha que não “consegues dar conta do recado” procure ajuda. Fale com um bibliotecário, um outro mediador de leitura ou mesmo com um especialista, como eu, que o pode ajudar a transformar o seu filho num leitor.
Boas Leituras!
Leia mais artigos no blog.